Menke's Channel (Ateísmo e Razão)

Hoje eu vou cometer uma flavianofobia!

Os flavianos juram que Flávio Josefo escreveu - ou pelo menos “guiou a mão” de - quem redigiu Marcos. Aí você analisa seriamente os textos e dá de cara com um detalhe que estraga a mágica: as datas do assalto ao Templo em Josefo versus o “spoiler” apocalíptico em Marcos. Em Josefo, as etapas decisivas do cerco caem em pleno verão: os aterros/sistemas de assalto ficam prontos “no oitavo dia do mês de Lous (o nosso agosto)”, em Guerra dos Judeus 6.4.1, e, depois, “no sétimo dia do mês de Gorpieu (nosso setembro)”, em Guerra dos Judeus 6.8.4. Isto é, verão no Hemisfério Norte.

Agora olha Marcos 13.18 (mesmo capítulo da profecia da queda do Templo): “Orem para que isso não aconteça no inverno.” Ou seja, o cenário suposto por Marcos é… inverno.

E não é só percepção minha: a discussão acadêmica registra exatamente esse choque de estações - a destruição de Jerusalém aconteceu no verão, não no inverno. É por isso que muita gente usa Marcos 13:18 como indício de que o autor de Marcos não tinha na mão o calendário fino do acontecido. Em bom português: o relato de Marcos pode ser um chute (bem dramático) e, justamente por isso, ele contraria Josefo nos detalhes de data.

“Ah, então você está dizendo que Marcos errou?” Não, dá pra aceitar tranquilamente que o ‘alerta do inverno’ é impreciso, sem piruetas, e ainda assim reconhecer o ponto central: se Josefo tivesse escrito ou supervisionado Marcos, por que diabos o texto de Marcos marcaria a fuga pelo inverno quando o próprio cronista da guerra martela o verão (Lous/Gorpieu) como o período crítico? A contradição não é um bug: é a evidência de *independência*. (E, ironicamente, Marcos ainda reinterpreta a queda do Templo como juízo de Deus e transforma Roma em peão do plano divino - o oposto do fábula flaviana.)

“Mas e se o autor de Marcos só tiver ignorado Josefo nessa parte? E se Josefo tiver dado uma saída para tomar um café na hora que o escritório flaviano escreveu esse trecho? Ah, mas e se o Josefo tiver só se confundido?”
Pronto, chegaram os biruleibe de sempre da Central Flaviana de Improviso! A tese “Josefo escreveu Marcos” vira, magicamente, “talvez ignorou o Josefo”. Conveniente, né? Também dá pra invocar outras desculpas para tentar salvar a teoria sacrificando a única âncora cronológica que ela tinha. Uma delas pode ser uma discussão acadêmica que Marcos 13:18 se trata de uma escatologia. Mas aí o trecho não é sobre profecias flavianas, e sim sobre... uma escatologia, ou seja, é sobre o fim dos tempos.

Resumo: as evidências textuais mostram Josefo situando fases-chave do assalto em agosto/setembro (verão), enquanto Marcos pinta o quadro de inverno (algo em torno de três meses dpois, pois ainda tem o Outono no meio). Logo, o “profético” de Marcos pode até ser um palpite com erro de estação - e exatamente por isso é o contrário do relato de Josefo. Se a teoria precisa de “ignorar Josefo”, “Josefo errou o mês” e similares pra ficar de pé, a gente se diverte com os biruleibes e segue com o óbvio: Marcos não é roteiro flaviano.

3 months ago (edited) | [YT] | 14