Corvo Seco

Olá amigos. Nosso entendimento não-dual ainda parece confuso a muitos que frequentam esse canal, e por isso, talvez seja benéfico divulgar algumas notas.
Não se preocupe, no fim, todos queremos a mesma coisa. 🙏❤️
Como diria Ram Dass:
“Só estamos levando uns aos outros de volta para casa”.

Se você é religioso, imagine essa cena:
Estamos todos subindo uma montanha, e nosso objetivo final é o mesmo, alcançar o topo, o absoluto. Isso é aquilo que está além de tudo, é a paz que excede a todo entendimento, é a luz infinita que é anterior a consciência, aquilo, que também é chamado de Deus.
Começamos da base da montanha, sem entender quase nada, e então, alguém nos ensina sobre o caminho espiritual, seja ele qual for.
É possível que você procure um grande grupo de “alpinistas”, pois quanto maior o número de envolvidos, como numa religião, maior a probabilidade de alcançar a meta. Mas no meio do percurso, vemos que isso não é o principal, pois entendemos que apenas a nossa própria compreensão pessoal é capaz de transformar a realidade.
De todo modo, qualquer um que se arrisque a sair da miséria do mundo ordinário, para subir essa montanha de vida eterna, ganha ferramentas apropriadas para essa escalada, e essas peças são conhecidas como “palavras”.

Aprendemos a chamar as coisas pelos nomes, é a nossa função racional de entendimento.
As palavras e os conceitos são como as ferramentas que nos ajudam a subir na compreensão. Você acredita nisso e naquilo, mas na verdade, essa crença é como utilizar uma boa bota e uma boa luva para prosseguir nessa ascensão. Mas isso não é quem você é, é o que você usa para continuar subindo.

O caso, é que se nos apegamos muito a linguagem, abandonamos o objetivo para rolar abaixo em debates teóricos, que são questões mecânicas, e assim, continuamos perdidos.
Do contrário, se vamos direto para a última meta, respeitando os diferentes trajetos, então podemos nos incentivar, pois lá em cima, todas essas ferramentas serão descartadas.
O fim é sempre o mesmo, basta não dar muita atenção ao atrito que nos separa, mas observar a direção que nos une. Essa, é sempre a mesma luz divina que rasga qualquer coração humilde.

Assim, muitos entram em conflitos como: “Mas, de que Deus vocês estão falando?”
E como diria Ramakrishna: “O único, e seus vários nomes”.

O absoluto é apenas um, o infinito, e nada está fora dele. Não há dois infinitos, pois o primeiro seria o mesmo que o segundo. Se há um ilimitado, e ele é sempre o mesmo.
Se você sabe que esse infinito existe, você já está no caminho. Conforme expandimos a visão vertical, todas as questões se dissolvem. O importante é seguir caminhando.

Porém, se você é ateu, a metáfora pode ser outra.
A vida é muito curta, e não podemos perder tempo com nada que seja superficial.
Pense em ouvir uma música durante cinco minutos. Ela pode ser qualquer uma, e então, por que perder tempo ouvindo uma música ruim?
Não podemos desperdiçar nossas vidas consumindo mediocridades. Séries, filmes, cursos e livros que não nos levam a nada.
Pense em você como um computador, enquanto você reproduz esse conteúdo superficial e insignificante, todas as peças estão se enfraquecendo com o tempo, e logo, todo esse aparelho deve parar de funcionar.
Não podemos lutar contra a inevitabilidade da morte, mas podemos melhorar essa máquina enquanto é tempo.
Não temos muito critério e discernimento para entender o que é uma vida bem vivida, mas podemos melhorar o nosso aparelho, buscando a sabedoria, e então, podemos melhorar em todas as áreas do comportamento humano.

Entre todos os cenários possíveis, há sempre essa opção:
“Vou passar por isso, e não posso evitar, mas posso viver sofrendo e desesperado, ou de modo sereno e pacífico”.
Talvez você ainda não consiga acreditar, mas qualquer humano pode alcançar um estado de felicidade absoluta, imperturbável, sóbrio e consciente, sem nenhuma dependência externa.
Não é sobre o fim dos problemas. É sobre ter lucidez diante a eles.
Entender isso não pode impedir um acidente de trânsito, mas pode te dar a paz e a sabedoria para ver a situação de modo tranquilo, leve, lúcido e compassivo.
É sobre perder as paixões da ingenuidade, para entender a realidade como ela é.
Não é um assunto “espiritualidade”, é sobre conseguir enxergar a vida de modo totalmente satisfatório, sem um “eu” egoísta que corrompe a visão natural.
Não é sobre vestir uma roupa diferente e ir meditar no meio da floresta, é sobre entender o sentido da vida, aí mesmo aonde estiver. Não é um tema distante, exótico, artificial e teórico, é sobre este momento, sobre essas letras, sobre tudo.
É responder a todas as perguntas, é saciar a sede do mistério. É entender a razão de toda a existência, e livre, viver de modo imortal, numa festa sem fim, na intensidade da eternidade.

Aparentemente, do outro lado, na vida comum, ninguém está bem.
Ninguém está plenamente satisfeito com a sua própria existência. Em algum nível, todos nós temos problemas, e em casos extremos, a dor humana alcança o absurdo.
Basicamente, o homem está sempre quebrado, e sempre esteve, em todas as épocas e regiões. Mas houveram alguns, excepcionais, que viveram em paz, em extrema alegria e em completo bem-estar. Coincidentemente, todos esses apontaram para uma mesma conclusão.
Estudar essa conclusão é o que chamamos de não-dualidade, mas afinal, o que é isso?

Nenhuma religião inventou isso. Aqueles que descobriram isso, floresceram a religiões.
O caso é que estamos intoxicados e poluídos pela impressão de um pequeno “eu” separado, vaidoso, sofredor e cheio de histórias. O objetivo é diminuir essa camada que nos cega a visão. É diluir essa divisão de um “eu” que interpreta e compõe tudo em pedaços, para podermos enxergar a forma crua e direta dos acontecimentos, sem a separatividade de um “eu” e suas fantasias, e assim, simplesmente, ver aquilo, que é o único.
Para atingir essa visão, existem os meios, como a meditação, a devoção, e todos os métodos particulares de cada homem que conseguiu essa mesma realização.
Mas afinal, o que é essa grande descoberta que está além da nossa mente individual?

Este é o grande mistério, que só você mesmo pode descobrir.
Quando alguém passa a entender o que é a realidade, ele a descreve como: “Estive sonhando, mas acordei”.
A isso, chamam “iluminação”. Essa descrição de acordar de um sonho nos faz pensar que nossa vida comum trata de questões superficiais e insignificantes, como um sonho, e que na verdade, o real acontecimento, é algo muito superior a tudo isso, e nesse estado, não há sofrimento, mas apenas a felicidade infinita.
Estamos em um corpo, captando sensações limitadas e temporárias. Por isso, temos sede, fome, dores e sensações, um constante suprir de necessidades, e o contínuo sabor da insuficiência. Tudo enquanto há tempo, pois no fim, em menos de cem anos, estaremos mortos. Seria muito triste, mas então, alguém se levanta do silêncio e diz:
“Espere, existe uma saída, e ela é transcendental. A morte não é o fim. O infinito é possível”.

Não foi apenas um que nos avisou sobre isso, mas vários.
O que é esse estado superior a tudo, ninguém pôde falar, pois ele é anterior às palavras.
Ninguém pode descrever o silêncio, pois qualquer palavra mata a sua realidade.
O que é aquilo, que é anterior ao sentido das palavras, é algo que antecede a toda essa nossa experiência. Isso é algo totalmente particular, dentro de si, intransponível e intransmissível.
Por tanto, não há como convencer alguém, é apenas uma sugestão, e aquele que estiver desesperado o suficiente para encarar com seus próprios olhos, poderá ver por si mesmo.
O experienciar dessa suprema realidade é possível, mas de início parece algo muito distante. Por isso, ouvimos aqueles que estavam entregues a essa dimensão, e esses, nos ensinam a como atravessar essa noite escura de ignorância, em direção ao amanhecer da sabedoria.

Observe os homens que foram considerados “santos”. Em todas as épocas. Alguns, filósofos, outros “enviados de Deus”, e as tantas variações de nomes. Não dê atenção ao que os separa (como a linguagem), mas observe o que os une, como o comportamento.
Se temos discordâncias, é pelo uso das palavras, sobre os termos e conceitos que usamos, mas tudo isso é superficial, temporário, cultural e religioso.
O importante é não nos apegarmos aos instrumentos. O que um mestre ensina varia conforme o seu contexto, como a cultura da época e a região, o ouvinte original, e tantas outras características. Se ficamos presos a forma, deixamos de ouvir a lição.

Como diria Buda:
“Olhe para estrela que o dedo aponta, e não para o dedo que aponta à estrela”.

A não dualidade nos aponta para essa “conclusão final”, para a “compreensão absoluta”, o profundo entendimento sobre “quem sou eu?”.
Se queremos entender isso, devemos dar mais tempo e atenção a esse assunto, tratando essa perspectiva como a mais importante, pois ela é.
Entender isso é o fim de todo o sofrimento e a passagem para uma vida de felicidade ilimitada.

No processo, existem cuidados como: “Não se empolgue com nenhuma experiência”.
O entendimento é muito sutil e devemos manter a vigilância, pois nosso objetivo não é “crescer”, mas sempre “diminuir”.
Como diria Wu Hsin: “Esvazie-se”.

Falar que tudo isso é fácil é como dizer a um profundo dependente químico que abandonar o seu vício é fácil. Ainda que possa ser, isso não ajuda no tratamento.
A condição humana é que a grande maioria está acorrentada a vícios e tendências, a hábitos e a padrões destrutivos. A quebra desse ritmo é como nadar contra a corrente, o que exige muita dedicação através de uma extensa reabilitação de lucidez.

Como diria o mestre Eihei Dogen:
“Aqueles que buscam o caminho fácil não buscam o caminho verdadeiro”.

Se todo esse papo parece importante, procure e trabalhe, pois o resto acontece naturalmente. Assim, quem tem sede sempre encontra essa fonte de água viva.
Obrigado a todos. 🙏❤️

4 years ago | [YT] | 3,725